segunda-feira, 28 de abril de 2008

As cartas embaralhadas, os restauradores da totalidade e a "cultura sem progresso"

  Mas quem trata das questões da arte diluindo-as nesse universo cultural mais amplo, como o do show business do fim do milênio, colabora para aumentar a confusão. A maior incidência das cartas embaralhadas encontra-se nos esforços de restauração do conceito de totalidade social, tal como herdado do século XIX, e de localizá-lo no movimento histórico contemporâneo. A subsunção das questões estéticas por uma suposta lógica econômica do sistema produziu muita rudeza no plano teórico e pouca explicação. As manifestações artísticas, antes vistas pelos marxistas ortodoxos como simples epifenômeno da estrutura sócio-econômica ou "super-estrutura", agora, nas recentes revisões dos neomarxistas e outros "derivativos" sociologizantes, encontram teorias ainda mais confusas que se movem em torno da noção de pós-modernismo. É como se, para retirar sentido das manifestações culturais, fosse necessário proceder ao sacrifício da razão e estabelecer um verdadeiro culto à confusão e à ignorância. Não é o momento para nos deter nas principais dessas teorias, mas não custa lembrar que não foi por acaso que pode ocorrer a farsa calculada de Alan Sokal, na revista Social Text e em seu livro Imposturas Intelectuais, conseguiu abrir uma discussão nos meios intelectuais sobre o contrabando de teorias científicas para o campo das interpretações das ciências da sociedade.
  A arte- essa "cultura sem progresso" de que nos fala Argan - é um território privilegiado para um posto de observação das grandes mutações da época contemporânea. Nela, a urgência do presente está permanentemente pressionando o sujeito para ancorá-lo no aqui e agora, exigindo sempre a visão atualizada de "uma cultura igualmente aberta às antecipações e aos retornos, às divagações e às ligações à distância, cheia de sedimentos e de canalizações secretas". As necessidades dessa esfera podem até vir a condená-la ao desaparecimento, uma vez que cessem as condições históricas que lhe deram origem num passado remoto. No momento elas persistem e se manifestam de forma vigorosa ao lado das manifestações mais recentes que com ela disputam o olhar. Uma grande mostra de gravura, como a que agora se realiza no Rio de Janeiro, pode ser o momento, também, para refletirmos sobre essa possibilidade de pensarmos na simultaneidade das diversas camadas que se acumulam com origens tão diversas das diferentes técnicas como a xilo (século XIV no Ocidente), a lito (século XIX), a serigrafia (século XX), e todas se apresentam vivas e com a mesma idade independente da data de surgimento. Talvez esteja aí uma das possibilidades de visualizarmos o que Argan quer dizer com uma "cultura sem progresso".

(Trecho de) As técnicas de reprodução e a idéia de progresso em arte (1999) in DUARTE, Paulo Sérgio - A trilha da trama e outros textos sobre arte.

2 comentários:

Adriano Vilela disse...
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Adriano Vilela disse...

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