{significado}
Fiz literatura para tentar materializar, num ato de suar verso, o que me inquietava o estômago e desritmava minhas mãos. Tentei provar de várias maneiras que aquela mulher, que era feia até a medula, poderia repousar em meus braços e desafinar todas as suas lamentações sobre a falta de reciprocidade que esteve presente em seus relacionamentos, e que hoje teria um retorno amável. Mas sua compreensão para o verbo era um olho no escuro.
Essas são algumas de minhas veias verbais que pulsaram em minha derme e hoje se consomem num lento sacrifício de morte, após ingenuamente acreditar que os breves homens que circulavam por sua casa eram relacionamentos frustrados e não um mero fruto do trabalho: a mulher que amava é de domínio público: doa seu corpo por dinheiro, que acredita ela ser a materialização do amor, o qual tanto batalhei em prová-la.
Faça valer seus desejos e esforços, caro leitor, por mais que se estreitem em mudanças. Contratei seu serviço e, naquela noite, depositei em carne todo o sentimento que se abrigou em mim. Enrabei-a como quem devora uma refeição e sussurrei as verdades do meu passado e como aquilo havia me tirado o fôlego e hoje poderia soletrar o mundo em um suspiro. Ela me respondeu com exclamações do olhar e tentou se distrair com seu corpo sobre o meu. Em poucos minutos ejaculei e a intensidade do prazer foi tão penetrante quando a angústia que ela me fez sentir quando, após os corpos se tornarem dois, disse:
-Transei com você de dó.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Câmera Invisível
{maneiras de ver, construção do repertório}
Se uma câmera focalizasse Benjamin na hora do almoço, captaria um homem longilíneo, um pouco curvado, com vestígios de atletismo, de cabelos brancos mas bastos, prejudicado por uma barba de sete dias, camisa para fora da calça surrada aparentando desleixo e não penúria, estacionado em frente ao Bar-Restaurante Vasconcelos, tremulando os joelhos como se esperasse alguém. Benjamim entretanto não espera nada, a não ser que ele mesmo resolva o dilema: entrar num bar-restaurante ou voltar para a cama. A questão é embaraçosa porque Benjamim não tem sono, nem sede, nem apetite, nem alternativa para esta tarde. Preso ao chão, as pernas irrequietas, impacienta-se com a própria hesitação, e é nessas conjunturas que lhe costuma voltar a sensação de estar sendo filmado.
Adolescente, Benjamin adquiriu uma câmera invisível, por entender que os colegas mais astutos já possuíam as suas. O equipamento mostrou-se tão providencial quanto um pente de bolso, e a partir daquele dia a vida dele tomou novo rumo. Benjamin passou a usar topete, e nas pendengas em que antes se descabelava, certo de estar com a razão, mantinha agora um sorriso vago e deixava o adversário gesticular de costas para a câmera. Com isso ganhou prestígio e beijou na boca de muitas garotas, cujos ombros, orelhas e rabos-de-cavalo foram imortalizados em suas películas. O acervo de Bnejamin também guarda dublagens de cantor de jazz, saltos de trampolim, proezas no futebol, brigas de rua em que sangrou ou se saiu bem e a sua estréia no sexo com uma senhora de idade (trinta anos, trinta e um, trinta e três), quando ele quase estragou a cena ao olhar para lente. Fez-se filmar durante toda a juventude, e só com o advento do primeiro cabelo branco decidiu abolir a ridícula coisa. Era tarde: a câmera criara autonomia, deu de encarapitar-se em qualquer parte para flagrar episódios medíocres e Benjamin já teve ganas de erguer a camisa e cobrir o rosto no meio da rua, ou de investir contra o cinegrafista, à maneira dos bandidos e dos artistas principais. Hoje ele é um homem amadurecido e usa a indiferença como tática para desencorajar as filmagens. Mas quando entra no Bar-Restauante Vasconcelos, ainda o incomoda a suspeita de uma câmera talvez acoplada ao bico do ventilador de longas pás que gira no teto. Benjamin não pode ignorar que daquele improvável ponto de vista, os fregueses circulariam sentados num carrossel e ele próprio seguiria num redemoinho até o centro do salão, faria piruetas, daria ordens ao garçom como a um satélite e fugiria às tontas para o banheiro.
Chico Buarque, Benjamin - Cia. das Letras, 1995
Se uma câmera focalizasse Benjamin na hora do almoço, captaria um homem longilíneo, um pouco curvado, com vestígios de atletismo, de cabelos brancos mas bastos, prejudicado por uma barba de sete dias, camisa para fora da calça surrada aparentando desleixo e não penúria, estacionado em frente ao Bar-Restaurante Vasconcelos, tremulando os joelhos como se esperasse alguém. Benjamim entretanto não espera nada, a não ser que ele mesmo resolva o dilema: entrar num bar-restaurante ou voltar para a cama. A questão é embaraçosa porque Benjamim não tem sono, nem sede, nem apetite, nem alternativa para esta tarde. Preso ao chão, as pernas irrequietas, impacienta-se com a própria hesitação, e é nessas conjunturas que lhe costuma voltar a sensação de estar sendo filmado.
Adolescente, Benjamin adquiriu uma câmera invisível, por entender que os colegas mais astutos já possuíam as suas. O equipamento mostrou-se tão providencial quanto um pente de bolso, e a partir daquele dia a vida dele tomou novo rumo. Benjamin passou a usar topete, e nas pendengas em que antes se descabelava, certo de estar com a razão, mantinha agora um sorriso vago e deixava o adversário gesticular de costas para a câmera. Com isso ganhou prestígio e beijou na boca de muitas garotas, cujos ombros, orelhas e rabos-de-cavalo foram imortalizados em suas películas. O acervo de Bnejamin também guarda dublagens de cantor de jazz, saltos de trampolim, proezas no futebol, brigas de rua em que sangrou ou se saiu bem e a sua estréia no sexo com uma senhora de idade (trinta anos, trinta e um, trinta e três), quando ele quase estragou a cena ao olhar para lente. Fez-se filmar durante toda a juventude, e só com o advento do primeiro cabelo branco decidiu abolir a ridícula coisa. Era tarde: a câmera criara autonomia, deu de encarapitar-se em qualquer parte para flagrar episódios medíocres e Benjamin já teve ganas de erguer a camisa e cobrir o rosto no meio da rua, ou de investir contra o cinegrafista, à maneira dos bandidos e dos artistas principais. Hoje ele é um homem amadurecido e usa a indiferença como tática para desencorajar as filmagens. Mas quando entra no Bar-Restauante Vasconcelos, ainda o incomoda a suspeita de uma câmera talvez acoplada ao bico do ventilador de longas pás que gira no teto. Benjamin não pode ignorar que daquele improvável ponto de vista, os fregueses circulariam sentados num carrossel e ele próprio seguiria num redemoinho até o centro do salão, faria piruetas, daria ordens ao garçom como a um satélite e fugiria às tontas para o banheiro.
Chico Buarque, Benjamin - Cia. das Letras, 1995
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Sobre a maneira de construir obras duradouras
{Construir}
Quanto tempo
Duram as obras? Tanto quanto
Ainda não estão completas.
Pois enquanto exigem trabalho
Não entram em decadência.
Convidando ao trabalho
Retribuindo a participação
Sua existência dura tanto quanto
Convidam e retribuem.
As úteis
Requerem gente
As artísticas
Têm lugar para a arte
As sábias
Requerem sabedoria
As duradouras
Estão sempre para ruir
As planejadas com grandeza
São incompletas.
Ainda imperfeitas
Como o muro que espera pela hera
Ainda pouco sólida
Como a máquina que é utilizada
Mas não satisfaz
Mas é promessa de uma melhor
Assim deve ser construída
A obra para durar
Como a máquina cheia de defeitos.
Trecho de "Sobre a maneira de construir obras duradouras"; BRECHT, Bertolt
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Brasil Diarréia (ii)
(continuação do Brasil Diarréia)
Chega de luto, no Brasil!
O Brasil e a "cultura brasileira" parecem aspirar a uma forma imperialista "paterno-cultural".
Quando o que realmente conduziria a uma ascendência universal deveria ser (o que não significa que o será) algo baseado numa experimentalidade comum nos países novos, i qye implicaria ainda mais posições definidas globais.
Mas parece que essas posições se desvaneceram quase que por completo (salvo, é luta, que persistem um nível experimental criador): a falta total de caráter floresce hoje no Brasil - não me refiro somente à "cultura" e "contexto cultural"; o conceito limita e amesquinha tudo; quero me referir a uma coisa global, que envolve um contexto maior de ação (incluindo os lados ético-político-social); de onde nascem as necessidades criativas: mais particularmente aos "hábitos" inerentes à sociedade brasileira: cinismo, hipocrisia, ignorância, concentram-se nisso a que chamo de convi-conivência: todos "se punem", aspiram a uma "pureza abstrata" - estão culpados e esperam o castigo - desejam-no. Que se danem.
É preciso entender que uma posição crítica implica inevitáveis ambivalências; estar apto a julgar, julgar-se, optar, criar, é estar aberto às ambivalências, já valores absolutos tendem a castrar quaisquer liberdades; direi mesmo: pensar em termos absolutos é cair em erro constantemente- envelhecer fatalmente; conduzir-se a uma posição conservadora (conformismos, paternalismos; etc.); o que não significa que não se deva optar com firmeza: a dificuldade de uma opção forte é sempre a de assumir as ambivalências e destrinchar pedaço por pedaço cada problema. Assumir ambivalências não significa aceitar conformisticamente todo esse estado de coisas; ao contrário, aspira-se então a colocá-lo em questão. Eis a questão.
E a questão brasileira é ter caráter, isto é, entender e assumir todo esse fenômeno, que nada deva excluir dessa "posta em questão": a multivalência dos elementos "culturais" imediatos, desde os mais superficiais aos mais profundos (ambos essenciais); reconhecer que para se superar uma condição provinciana estagnatória, esses termos devem ser colocados universalmente, isto é, devem propor questões essenciais ao fenômeno construtivo do Brasil como um todo, no mundo em tudo o que isso possa significar e envolver. Nossos movimentos positivos parecem definir-se como, para que se construam, uma cultura de exportação: anular a condição colonialista é assumir e deglutir os valores positivos dados por essa condição, e não evitá-los como se fossem uma miragem (o que aumentaria a condição provinciana para sua permanência); assumir e deglutir a superficialidade e a mobilidade dessa "cultura", é dar um passo bem grande - construir; ao contrário de uma posição conformista, que se baseie sempre em valores gerais absolutos, essa posição construtiva surge de uma ambivalência crítica.
Maior inimigo: o moralismo quatrocentão (de origem branca, cristã-portuguesa) - brasil paternal - o cultivo dos "bons hábitos" - a super autoconsciência - a prisão de ventre "nacional".
A formação brasileira, reconheça-se, é de uma falta de caráter incrível: diarréica; quem quiser construir (ninguém mais do que eu, "ama o Brasil!"!) tem que ver isso e dissecar as tripas dessa diarréia - mergulhar na merda.
Experiência pessoal: a minha formação, o fim de tudo o que tentei e tento, levou-me a uma direção: a condição brasileira, mais do que simplesmente marginal dentro do mundo, é subterrânea, isto é, tende e deve erguer-se como algo específico ainda em formação; a cultura (detesto o termo) realmente efetiva, revolucionária, construtiva, seria essa que se ergueria como uma Subterrânea (escrevi um texto com esse nome, em setembro 69, em Londres): assume toda a condição subdesenvolvimento (sub-sub), mas não como uma "conservação desse subdesenvolvimento", e sim como uma..."consciência para vencer a super paranóia, repressão impotência..." brasileiras; o que mais dilui hoje no contexto brasileiro é justamente essa falta de coerência crítica que gera a tal convi-conivência; a reação cultural, que tende a estagnar e se tornar "oficial" (mais do que burocrática, essa coisa oficial existe como reação efetiva), é a que predomina nesse estado atual: p. ex., a crítica que as idéias de "Tropicália" geraram ao culto do "bom gosto" (isto é, a descoberta de elementos criativos nas coisas consideradas cafonas, e que a idéia de cafona conduz à glorificação permanente de coisas passadas (olha-se pra trás): hoje há uma febre reacionária de "saudosismos" e "redescoberta de valores", velhaguardismo; a crítica da "tropicália" ao "bom gosto" da bossa nova, era e é ambivalente e específica - a generalização diluidora dela, é reacionaríssima. Isso é um pequeno exemplo. Quer dizer das coisas maiores, mais gerais? A idéia de vanguarda, viva e efetiva em alguns, torna-se mera "compilação" na maioria da chamada crítica de arte. Por isso digo: a omissão consciente, ou melhor, pular fora, pode ser mais importante para a "cultura brasileira" revolucionária, do que participar no contexto imediato "policiado" - exemplo máximo: os mais importantes músicos populares do Brasil, Gil e Caetano, para sobreviverem e levarem avante as transformações começadas, tiveram que pular fora - o que criam, em inglês em Londres, queiram ou não, é a continuação dessa revolução na música brasileira: o caso deles é extremo e é nele mesmo a denúncia desse policiamento moralista-paternal-reacionário vigente hoje no Brasil (há uma espécie de mentalidade geral a la "Flávio Cavalcanti", a mais nociva) - não se trata de um acidente" nesse contexto: é um estado geral de coisas e vem ao encontro de mentalidade diarréica do país. Mas algo importante e efetivo nasce disso: essa "cultura defensiva" que não quer "pecar" copulando com o mundo, é obrigada a engolir o fenômeno da universalização de seus grandes criadores (seus na medida em que pertençam a um mesmo contexto) - quem poderá ignorar esse fenômeno gigantesco da bossa-nova nos Estados Unidos: Tom Jobim virou Musak - mais do que "sucesso no exterior", o fenômeno é reversível (e age afetiva e diretamente nesse contexto: urge aos que criam construir algo que se erga como uma face-Brasil no mundo; um criador como Jorge Ben, que estava esquecido, vê-se hoje que era precursor e é continuador dessa revolução; e que contribui na criação dessa face-Brasil: com a Tropicália foi retomado e sua importância reconhecida - recentemente estourou na promoção internacional da MIDEM; sua poesia-música roça a idéia de "experimental" - é portanto, um fator construtivo e revolucionário na diluição geral. Não ocorrera a Tropicália, pergunto eu, teria isso acontecido? Mais do que acidente, esse caráter experimental ergue-se como algo positivo e caracteristicamente revolucionário nesse contexto (outros exemplos, muitos poderiam ser aqui invocados). Não existe "arte experimental", mas o experimental, que não só assume a idéia de modernidade e vanguarda, mas também a transformação no comportamento-contexto, que deglute e dissolve a convi-conivência.
No Brasil, portanto, uma posição crítica universal permanente e o experimental são elementos construtivos.
Tudo o mais é diluição na diarréia.
Brasil Diarréia, de Hélio Oiticica in Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas. FERREIRA, Glória.
Brasil Diarréia
{pensamentos; aparência nítida}
O que importa: a criação de uma linguagem: o destino da modernidade do Brasil, pede a criação desta linguagem: as relações, deglutições, toda a fenomenologia desse processo (com inclusive, as outras linguagens internacionais), pede e exige (sob pena de se consumir num academismo conservador deveria submeter-se ao fenômeno vivo: o deboche ao "sério": quem ousará enfrentar o surrealismo brasileiro?
Quem sou eu para determinar qual ou coo será essa linguagem? ou será um nada (conservação-diluição)? Sei lá. A diluição está aí - a conviconivência (doença típica brasileira) parece consumir a maior parte das idéias - idéias? frágeis e perecíveis, aspirações ou idéias? Assumir uma posição crítica: a aspirina ou a cura?
Ou a curra: ao paternalismo, à inibição, à culpa.
Estado de coisas atualmente: porque se precisa e se procura algo que "guarde e guie" a cultura brasileira? e não vêem que essa "cultura" é já um conceito morto.
Hoje cultiva-se o policiamento instituição-cultural, no Brasil. Cultivam-se as tradições e os hábitos (fala-se em perigos + perigos, mas a maioria corre o perigo maior: o da estagnação desse processo que parece sofrer retrocessos ou borrações no seu crescimento - estamos na fase máxima das borrações: o empastelamento retro-formal - por exemplo: pintura, desenho, gravura, escultura: que importa que se as façam ou não: com isso ou com o anúncio de que "não morreram" ou a pergunta "morreu ou não?" etc., procura-se desviar o problema, que é o de uma posição altamente crítica, para um lado absoluto que não procede neste caso; tudo é feito propositadamente como defesa das instituições que se abrigam no conceito de "artes plásticas" e de suas promoções paternalistas: salões, bienais, principalmente a de S. Paulo).
Sou contra qualquer insinuação de um "processo linear"; a meu ver, os processos são globais - uma coisa é certa: há um "abaixamento" no nível crítico, que indica essa indeciso-estagnação - as potencialidades criativas são enormes, mas os esforços parecem mingalar, justamente quando são propostas posições radicais; posições radicais não significam posições estéticas, mas posições globais vida-mundo - linguagem-comportamento. Dizer-se que algo chegou "ao fim", assim como a pintura, p. ex. (ou como o próprio processo linear que determina essa idéia) é importante, o que não quer dizer que não haja quem não o faça; dizer que ela acabou é assumir uma posição crítica diante de um fato, é propor uma mudança; propor uma mudança é mudar mesmo, e não conviver com o banho de piscina paterno-burguês ou com o mingau da "crítica d'arte" brasileira.
A pressa em criar (dar uma posição num contexto universal a esta linguagem-Brasil, é a vontade de situar um problema que se alienaria, fosse ele "local" (problemas locais não significam nada se se fragmentam quando expostos a uma problemática universal; são irrelevantes se situados somente em relação a interesses locais, o que não quer dizer que os exclua, pelo contrário) - a urgência dessa "colocação de valores" num contexto universal, é o que deve preocupar realmente àqueles que procuram uma "saída" para o problema brasileiro. É um modo de formular e reformular os próprios problemas locais, desaliená-los e levá-los a conseqüências eficazes, Por caso fugir ao consumo é ter uma posição objetiva? Claro que não. É alienar-se, ou melhor, procurar uma solução ideal, extra - mais certo é sem dúvida, consumir o consumo como parte dessa linguagem. Derrubar as defesas que nos impedem de ver "como é o Brasil no mundo, ou como ele é realmente" - dizem: "estamos sendo 'invadidos' por uma 'cultura estrangeira' (cultura, ou por hábitos estranhos, música estranha, etc'.)" como se isso fosse um pecado ou uma culpa - o fenômeno é borrado por um julgamento ridículo, moralista-culposo: "não devemos abrir as pernas à cópula mundial - somos puros" - esse pensamento, de todo inócuo, é o mais paternalista e reacionário atualmente aqui. Uma desculpa para parar, para defender-se - olha-se demais para trás - tem-se "saudosismo" às pampas - todos agem um pouco como viúvas portuguesas: sempre de luto, carpindo.
segunda-feira, 28 de abril de 2008
As cartas embaralhadas, os restauradores da totalidade e a "cultura sem progresso"
Mas quem trata das questões da arte diluindo-as nesse universo cultural mais amplo, como o do show business do fim do milênio, colabora para aumentar a confusão. A maior incidência das cartas embaralhadas encontra-se nos esforços de restauração do conceito de totalidade social, tal como herdado do século XIX, e de localizá-lo no movimento histórico contemporâneo. A subsunção das questões estéticas por uma suposta lógica econômica do sistema produziu muita rudeza no plano teórico e pouca explicação. As manifestações artísticas, antes vistas pelos marxistas ortodoxos como simples epifenômeno da estrutura sócio-econômica ou "super-estrutura", agora, nas recentes revisões dos neomarxistas e outros "derivativos" sociologizantes, encontram teorias ainda mais confusas que se movem em torno da noção de pós-modernismo. É como se, para retirar sentido das manifestações culturais, fosse necessário proceder ao sacrifício da razão e estabelecer um verdadeiro culto à confusão e à ignorância. Não é o momento para nos deter nas principais dessas teorias, mas não custa lembrar que não foi por acaso que pode ocorrer a farsa calculada de Alan Sokal, na revista Social Text e em seu livro Imposturas Intelectuais, conseguiu abrir uma discussão nos meios intelectuais sobre o contrabando de teorias científicas para o campo das interpretações das ciências da sociedade.
A arte- essa "cultura sem progresso" de que nos fala Argan - é um território privilegiado para um posto de observação das grandes mutações da época contemporânea. Nela, a urgência do presente está permanentemente pressionando o sujeito para ancorá-lo no aqui e agora, exigindo sempre a visão atualizada de "uma cultura igualmente aberta às antecipações e aos retornos, às divagações e às ligações à distância, cheia de sedimentos e de canalizações secretas". As necessidades dessa esfera podem até vir a condená-la ao desaparecimento, uma vez que cessem as condições históricas que lhe deram origem num passado remoto. No momento elas persistem e se manifestam de forma vigorosa ao lado das manifestações mais recentes que com ela disputam o olhar. Uma grande mostra de gravura, como a que agora se realiza no Rio de Janeiro, pode ser o momento, também, para refletirmos sobre essa possibilidade de pensarmos na simultaneidade das diversas camadas que se acumulam com origens tão diversas das diferentes técnicas como a xilo (século XIV no Ocidente), a lito (século XIX), a serigrafia (século XX), e todas se apresentam vivas e com a mesma idade independente da data de surgimento. Talvez esteja aí uma das possibilidades de visualizarmos o que Argan quer dizer com uma "cultura sem progresso".
(Trecho de) As técnicas de reprodução e a idéia de progresso em arte (1999) in DUARTE, Paulo Sérgio - A trilha da trama e outros textos sobre arte.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Ladoito, de todos os lados, com todas as formas.
Lá do Ito
Ladoito.
Cada palavra, frase, trecho, texto, imagem, carregam seu mundo, que desdobram infinitos signos; e ramificam outros mundos. Ladoito é um liço desses códigos - um remeter de exploração, de descoberta.
Lançado o primeiro código, o postador seguinte capturará uma palavra-chave dele (o código) e, dessa forma, desenvolverá sua ramificação e assim por diante.
A cada acréscimo de ramo, uma nova interação, um maior fragor, um diferente olhar.
Para inquietar, mover e impulsionar, o Ladoito é um metamorfisar mental.
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